Teses jurídicas para uma aplicação coerente da Convenção da Haia de 1980

setembro 1, 2022

A subtração internacional de menores é sem sombra de dúvidas uma matéria de grande repercussão social, tanto que a jurisprudência mais recente desta Corte Superior a classifica prevalentemente como um ramo do direito público.

No novo CPC foram criados instrumentos capazes de uniformizar uma norma que resulta ser heterogênea (IAC, IRDR, etc) e no caso específico da CH80 se mostraria necessário confirmar, tanto em base a repetição de uma jurisprudência divergente quanto em base a aspectos únicos do caso concreto, as seguintes teses:

  • Preceitos legais:
    • A interpretação dos dispositivos da Convenção da Haia de 1980 não deve se basear em uma aplicação por analogia com a legislação interna brasileira, mas deve se basear no seu conceito autônomo e doutrina de tipo coletiva, ou seja, no respeito de todos os preceitos do seu Relatório Explicativo, dos Guias de Boas Práticas publicados pela Conferência da Haia e jurisprudência internacional;
    • Todos os dispositivos da Convenção da Haia de 1980 e a sua correta interpretação, imposta pelos guias oficiais da Conferência da Haia, não violam de alguma forma e em qualquer tempo o superior e melhor interesse das crianças subtraídas sob qualquer hipótese ou caso concreto excepcionalíssimo;
    • A Convenção da Haia de 1980 visa tutelar os interesses mais importantes do menor subtraído de forma emergencial no respeito do direito de ampla defesa, portanto, em qualquer caso ou hipótese, o melhor interesse global da criança (que é de competência do juízo da guarda) não poderá servir como elemento corregedor das disposições convencionais;
    • Em base ao princípio constitucional do superior interesse da criança, toda e qualquer disposição formal/legal deve ser excepcionada para não colidir com este princípio, portanto, a aplicação da Convenção de 1980 da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, que se baseia na análise de uma situação familiar e que incidirá fortemente no direito de guarda e de visitação de um menor, deverá ser julgada exclusivamente pela Justiça Estadual e pela Seção de direito privado do STJ que são as únicas autoridades competentes que possuem máxima especialização e estruturação adequada para avaliar o direito de família;
  • Assegurar o retorno seguro ex officio (em contraposição ao paradigma de assegurar a negação do retorno) corresponde ao melhor interesse da criança subtraída:
    • Na aplicação da Convenção da Haia de 1980 a obrigação do tribunal é assegurar o retorno imediato e seguro da criança. Não é admitido indagar ex officio sobre a existência de prejuízos que não foram corretamente comprovados ou evocados pela parte que se opõe ao retorno, mas é imprescindível indagar ex officio sobre a existência de medidas de proteção cabíveis no exterior;
    • Na aplicação da Convenção da Haia de 1980, toda vez que for negado o retorno da criança subtraída, se deverá fundamentar não somente a existência das exceções à obrigação do retorno, mas também as motivações que levaram à decisão final de negar este retorno que apenas deixou de ser obrigatório e que não corresponde silenciosamente ou automaticamente à obrigação ou necessidade de negá-lo;
    • A negação do retorno em base a Convenção da Haia de 1980 não obsta que este retorno seja decretado sucessivamente pelo juízo da guarda brasileiro que observará o melhor interesse global do menor subtraído;
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980 as decisões, em qualquer instância, que promoverão o retorno deverão estabelecer com exatidão a sua execução com o fim de tutelar os interesses de todas as partes e evitar: novas discussões, impugnações meramente artificiais e estratégicas ou ações ilícitas como o ulterior deslocamento não autorizado do menor;
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980 não é cabível a impugnação da execução da ordem de retorno se esta decisão tiver sido emanada pelo último grau recorrível;
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980, o retorno poderá ser negado somente se o genitor que pleiteia o retorno tiver sido ouvido pessoalmente, mesmo no caso em que não for parte no processo;
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980, o retorno poderá ser negado somente após a oitiva da criança, com a assessoria de profissionais especializados, com o objetivo de avaliar melhor a situação familiar e mesmo quando ainda não tiver idade suficiente para que a própria opinião possa incidir na exceção à obrigação do retorno;
  • Celeridade:
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980 deve prevalecer o melhor interesse da criança, portanto, em caso de cassação do acórdão recorrido não é admissível a devolução a instância inferior para o reexame das provas se no processo já existem elementos suficientes para decretar o retorno de forma sumária. A presunção do retorno e a celeridade são princípios primordiais nestas ações e se deve evitar que a lentidão determinada pela devolução gere um ciclo infinito de novos reenvios e devoluções devido à contínua alteração da realidade familiar no tempo e consequente alteração da vontade das partes;
    • Na aplicação da Convenção da Haia de 1980 os procedimentos devem ser céleres e no respeito do direito de ampla defesa, portanto, devem ter o andamento baseado o máximo possível na execução de audiências presenciais em dias consecutivos, com a participação direta das partes envolvidas e do acompanhamento por profissionais especializados (psicólogos, assistentes sociais, tradutores, funcionários do respectivo consulado, etc), com a priorização de atos verbais se os escritos recarem atrasos relevantes;
  • O direito de visitação deve sempre ser tutelado:
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980 que não é definido nas 6 semanas prescritas (art. 11), o juízo deverá obrigatoriamente estabelecer imediatamente e ex officio um regime de visitação provisório incidental (conforme o art. 7b da CH80), sem a imposição de limites apriorísticos como a vedação as visitas em cidades ou países diferentes (conforme o art. 5b da CH80). Tal regulamentação deverá ser realizada após audiência urgente com a oitiva e participação direta dos genitores e a visitação, a ser realizada fora da jurisdição de refúgio, poderá ser indeferida somente após um contato direto com as autoridades que possuem jurisdição territorial no local da visitação (no caso de outras nações, através dos juízes de ligação da Haia) e se as mesmas autoridades não oferecerem garantias suficientes em relação tanto a proteção do menor quanto ao seu retorno ao domicilio de refúgio após o período de visitação estabelecido;
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980, as decisões, em qualquer instância, que negarem o retorno, deverão estabelecer também o regime de visitação em base ao art. 21 da CH80 (incluindo a visitação em outro estado brasileiro ou em outro país, quando todos os eventuais obstáculos forem superados através das garantias oferecidas pelas autoridades locais), que deverá ser respeitado até quando outro juízo territorialmente competente não decidir alterá-lo;
  • As exceções ao retorno devem ser consideradas exceções e não uma regra:
    • Na aplicação da Convenção da Haia de 1980 o retorno deverá sempre ser imposto imediatamente, independentemente da eventual constatação das exceções à obrigatoriedade do retorno, toda vez que subsistir elementos incontrovertíveis que retiram a certeza da competência do julgamento da guarda pelo judiciário brasileiro (como, por exemplo, no caso em que se verificam os seguintes fatores conjuntamente: acordo internacional de homologação de sentença estrangeira mesmo quando pendente procedimento análogo no Brasil, e; existência de um processo de guarda pleiteado no exterior e anterior aquele eventualmente pendente no Brasil);
    • Na aplicação da Convenção da Haia de 1980, a exceção da obrigação do retorno imediato do art. 13b não poderá resultar comprovada quando o genitor subtrator tiver elegido voluntariamente o judiciário da residência habitual como competente na definição da guarda (como, por exemplo, no caso de ter ajuizado o pedido de guarda no exterior logo após a subtração ou quando o tiver ajuizado antes da subtração, mas sem aguardar um tempo razoável para a obtenção de uma medida provisória de proteção);
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980, o genitor que antes da subtração, sem justificação plausível, não procurou a ajuda das autoridades locais para combater qualquer tipo de violência doméstica ou situação intolerável, não poderá invocar a exceção do art. 13b alegando que essas autoridades não garantem efetivamente a proteção que resultar prevista nas suas leis internas;
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980, a exceção do art. 13b é considerada preenchida se todos os seguintes requisitos resultarem constatados: situação de risco vinculada a possível situação familiar futura, relativa a eventos de elevada gravidade, relativa exclusivamente à criança (direta ou indiretamente), comprovada pela parte que se opõe ao regresso, e, em última análise, não mitigável com a assunção das medidas de proteção disponíveis na legislação ordinária do Estado da residência habitual ou através de garantias de proteção obtidas através do contato direto com as autoridades da residência habitual, como referenciado nas Guias da Conferência da Haia (comunicação direta promovida pelos juízes de ligação da Haia);
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980, não se deve levar em conta a integração da criança ao Estado de refúgio se o tempo processual transcorrido além do prazo estabelecido no art. 11 (6 semanas) for imputável unicamente à morosidade do poder judiciário brasileiro;
    • Em todo processo de aplicação da Convenção da Haia de 1980 que respeitou o prazo de um ano do art. 12, não é cabível a produção de perícia sobre a adaptação do menor ao Brasil, mas é cabível perícia para conhecer a sua atual situação psicossocial com o fim de emanar eventuais medidas cautelares de proteção do seu interesse. Tal perícia deverá ser possivelmente exposta verbalmente no respeito da obrigação de celeridade e do limite do prazo de 6 semanas (art. 11).