Convenção “da Haia” ou “de Haia”?

setembro 11, 2022

Qual é o modo mais correto de escrever, “Convenção da Haia” ou “Convenção de Haia” ?

É apenas uma questão de estilo literário ou existe um background técnico por trás desta escolha?

Porque se usam essas duas expressões?

 

"Convenção da Haia" ou "Convenção de Haia"?

Qual é o atual grau de difusão da expressão “Convenção da Haia”?

Principalmente nos últimos anos, as Convenções da Haia passaram a influenciar a vida de um número elevado de brasileiros.

Se antes servia como socorro em raros casos como aqueles de subtração internacional de menores, hoje todos aqueles que necessitam reconhecer documentos considerados de origem estrangeira dão graças ao fato do Brasil ter promulgado em 2016 a Convenção da Haia sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros (1961), também batizada de Convenção da Apostila da Haia.

Com a globalização e a vontade de buscar no exterior novas oportunidades ou experiências a plateia de beneficiários deste instrumento internacional se amplificou enormemente. 

Qual é atualmente a expressão mais usada?

Como é normal acontecer no âmbito popular, esta maior difusão da “Convenção da Haia” não conciliou uma correta propagação dos seus preceitos técnicos.

A aparente fácil dedução de considerar “Haia” como un nome próprio (o primeiro erro?) se alinhou com a tendência natural de traduzir tudo aquilo que é novo em um enquadramento velho (o segundo erro?).

Como se popularizou usar as expressões “Convenção de Viena“, “Convenção de Genebra“,  “Pacto de San José da Costa Rica“, etc, aparentemente, pareceu mais coerente usar “Convenção de Haia”.

Basta uma pesquisa no Google para observar a diferença:

"Convenção da Haia" ou "Convenção de Haia"

Parece também evidente que a tendência será aumentar cada vez mais o “de Haia” pois muitos artigos e até mesmo falas de autoridades do poder judiciário (disponíveis no youtube) estão usando sempre mais este termo.

O que dizem as regras da língua portuguesa?

Segundo as regras da língua portuguesa parece possível escrever “da Haia” ou “de Haia”, indiferentemente.

Em geral, a preposição “de” tem a função de estabelecer uma relação de dependência entre duas palavras onde o segundo termo subordina e domina o primeiro.

Em combinação, por exemplo, com um artigo definido “a”, a preposição “de” se contrai na forma “da“.

Como se presume facilmente, um artigo definido comumente se usa para especificar que a palavra referida possui uma associação bem específica.

Portanto, a diferença, por exemplo, entre “dono de carro” ou “dono do carro” é que no segundo caso se trata de um carro específico.

No caso em questão, se uma cidade hipoteticamente se chama ABC, usar “de ABC” não representa uma expressão genérica, mas ligada a exata cidade que possui este nome, parecendo inútil usar o artigo definido.

Em outras palavras, no caso de nome próprios, como “de ABC” ou “da ABC”, estão corretas ambas versões, se trata apenas uma questão de estilo literário.

Será que é suficiente observar as regras da língua portuguesa?

Qual expressão usam outros países?

Esta é uma pequena lista de como outros países de língua latina invocam, por exemplo, a “Convenção da Haia de 1980” nos seus sites institucionais:

  • Convenio de La Haya de 1980 (espanhol)
  • Conveni de l’Haia de 1980 (catalão)
  • Convention de La Haye de 1980 (francês)
  • Convenzione dell’Aja del 1980 (italiano)
  • Convenția de la Haga din 1980 (romeno)

Em todos predomina o uso do artigo definido, será que realmente o seu uso é simplesmente uma questão puramente subjetiva ?

Que expressão se usa nos textos legais?

Observando as traduções oficiais das Convenções da Haia como promulgadas nos decretos do governo, é unanime o uso da expressão “Convenção da Haia” ou “Conferência da Haia“.

O mesmo se observa nas traduções oficiais para o português de Portugal publicadas nos sites da União Europeia e da sua Corte.

Se desconhece um texto legal aprovado e revisado no Brasil ou em outro país que fale português onde se aplica a preposição “de” ao invés da contração “da”.

Nada se transforma em verdade somente porque a maioria assim o pensa, mas pelo seu mérito.

Portanto, a quantidade exagerada de optadores pelo “de Haia”, não deveria superar a qualidade que existe por trás do fato que as máximas autoridades mantêm o uso “da Haia”.

Como se chama a cidade que sedia a Conferência da Haia?

A pedra angular que em teoria resolve todas as dúvidas se encontra no inesperado nome da cidade que sedia a Conferência da Haia.

A cidade que se muitos imaginam se chamar simplesmente Haia na verdade se chama “Den Haag” na língua original, o que significa que o artigo definido “Den” (do holandês antigo) faz parte do seu nome.

Historicamente, a cidade se chamava Des GravenHage que significava “o recinto dos condes”, que era a área onde os nobres podiam caçar.

Com o passar do tempo “resumiram” o nome para Den Haag e, diferentemente de outros lugares, a população preferiu manter a antiga tradição do uso do artigo definido.

É como se a capital do Brasil se chamasse “A Brasília” e, se existisse uma convenção assinada na capital, ela se chamaria Convenção de A Brasília, ou seja, Convenção da Brasília.

Como já citado, muitos países e as suas respectivas línguas respeitaram a aplicação de uma tradução mais precisa do nome desta cidade, mantendo o seu artigo definido como componente do nome próprio.

Se traduzir a pronúncia ou significado de un nome próprio é uma contradição, ignorar um importante aspecto cultural deste nome parece ser uma dupla contradição.

Existem outras formas de escrever a Convenção da Haia?

Se duas formas de exprimir o mesmo conceito já não bastavam para criar uma discussão, começa a surgir no horizonte novas ideias criativas.

Muitas vezes quando algo parece demasiadamente não adequado, muitos acreditam poder fazer melhor, criticando a superficialidade que levou ao erro inicial, mas cometendo o mesmo pecado na hora de sugerir uma solução corretiva.

Neste contexto, em alguns sites institucionais brasileiros (como, por exemplo, o TRF4) começa a surgir uma corrente que passa ao extremo de enfatizar o artigo “a”, criando o termo “Convenção d’A Haia“.

Esta invenção parece elevar o artigo “a”, que compõe o nome próprio da cidade, em um nome próprio, isto é demasiado.

Por exemplo, no Brasil, é possível atribuir ao nome do filho o patronimico “junior”, “neto”, etc. Isto, porém, não significa que, em um pais que não reconhece o uso do patronimico, o eventual filho de um genitor chamado João Silva Neto, terá como sobrenome Silva Neto. Um patronimico não é um sobrenome e nem um segundo nome, assim como um artigo não pode se transformar em nome próprio.

Além disso, a contração “d’ ” parece uma solução importada ilicitamente de outras línguas, é um objeto alienígena na língua portuguesa. A coerência desta tentativa de solução é extremamente frágil.

Definitivamente, é correto “Convenção da Haia” ou “Convenção de Haia”?

A língua e as suas regras são mutáveis, portanto, resulta difícil tentar combater a crescente popularização do termo “Convenção de Haia” que ofende “apenas” uma cultura estrangeira (holandesa) e reforça a notória e generalizada falta de método científico da sociedade no uso de qualquer instrumento novo.

Se a grande maioria dos países reconhece a cidade como sendo “A Haia”, se todos os textos legais em português também admitem este reconhecimento, a única forma de exprimir elevado conhecimento técnico parece ser sem sombra de dúvidas usar a expressão “Convenção da Haia“.

Buscar a precisão em tudo aquilo que se faz não é um mero detalhe, mas um ideal de vida que afasta todas aquelas aproximações do dia-a-dia que se imagina serem toleráveis até quando se descobre quando é tarde demais que é impossível garantir o limite de tolerabilidade para as consequências destes superficialismos.

A inexatidão literal no âmbito legal é como uma bola de neve, um equívoco gera a multiplicação de outros equívocos, um círculo vicioso que alonga inutilmente a linha de aprendizagem e desvirtua toda a sociedade.