Sequestro, abdução, rapto ou subtração internacional de crianças?

setembro 13, 2022 No comments exist

Existe uma forma mais correta da consolidada expressão “Sequestro Internacional de Crianças”? Poderia ser Subtração Internacional de Crianças? Rapto Internacional de crianças? Abdução?

Muitos consideram imprecisa a tradução da Convenção da Haia de 1980 desde o seu título: Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.

Parece extremamente inusual na sociedade brasileira o uso da palavra “sequestro” para qualificar esse vedado ato de manter uma criança em outro país ilicitamente.

Qual deveria ser então o termo mais coerente?

Sequestro ou Subtração Internacional de crianças

Qual nomenclatura foi usada nos demais países?

A Convenção da Haia de 1980 foi ratificada por mais de 100 países então convém iniciar a pesquisa observando como estes países traduziram esta expressão.

Esta é uma pequena lista das traduções “oficiais”1A Conferência da Haia possui duas línguas oficiais, o inglês e o françês deste tratado:

  • Abduction (Inglês: abdução)
  • Enlèvement (Frances: remoção)
  • Rapto (Portugal)
  • Sustracción (Espanhol: subtração)
  • Segrest (Catalão: sequestro)
  • Sottrazione (Italiano: subtração)
  • Răpirii (Romeno: rapto)
  • etc

Mesmo aumentando a lista dos exemplos é difícil encontrar um termo escolhido por uma maioria pacificadora.

Na verdade, enquanto “remoção” parece ser bem diferente de “abdução”, “rapto” e “sequestro” são sinônimos com diferenças muito sutis.

Observar as escolhas dos outros países resulta ser apenas um indício pois não permite chegar a uma conclusão consistente.

Qual o significado de sequestro, rapto, abdução e subtração?

Nada melhor do que tentar buscar diretamente na fonte elementos capazes de distinguir melhor os termos mais usados.

Assim resulta em diferentes dicionários:

sequestro

[priberam] Clausura ou detenção ilegal de alguém, privando-o da sua liberdade contra a sua vontade (ex.: os autores do sequestro ficaram em prisão preventiva).
[infopedia] clausura ou retenção ilegal de pessoas; rapto.
[michaelis] Retenção ilegal de pessoa em cárcere privado.

subtração

[priberam] Acto ou efeito de subtrair, de tirar por fraude ou logro; furto; roubo.
[infopedia] roubo, furto.
[michaelis]
Desvio fraudulento e oculto de pessoa ou coisa, privando-a do seu destino ou formalidade.

rapto

[priberam] Acto de tirar alguém de casa ou do local onde se encontra, através de violência, de ameaça ou de engano.
[infopedia]
ato ou efeito de capturar alguém de forma violenta e mantê-lo aprisionado, exigindo, em geral, dinheiro em troca da sua vida.
[michaelis] Ação ou efeito de arrebatar do domicílio habitual, por violência, qualquer pessoa.

abdução

[priberam] Rapto com recurso a violência, fraude ou sedução.
[infopedia] afastamento.
[michaelis] Rapto com fraude, violência ou sedução.

Como da para perceber, também na análise do significado em português a busca continua indeterminada.

Qual é o significado jurídico destes termos?

Visto que o texto de toda lei possui um vocabulário específico e padronizado, talvez é mais fácil e coerente encontrar elementos decisivos nas definições contidas na lei interna brasileira.

Lei contra o sequestro:

Código Penal
TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
CAPÍTULO VI – DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL
SEÇÃO I – DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
Seqüestro e cárcere privado

Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:
Pena – reclusão, de um a três anos.
§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;
II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
III – se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.
IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
V – se o crime é praticado com fins libidinosos.
§ 2º – Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Lei, não mais em vigor, contra o rapto:

Código Penal
TÍTULO VI – DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
CAPÍTULO III – DO RAPTO (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

Rapto violento ou mediante fraude (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Art. 219 – Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena – reclusão, de dois a quatro anos. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

Rapto consensual (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Art. 220 – Se a raptada é maior de catorze anos e menor de vinte e um, e o rapto se dá com seu consentimento: (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena – detenção, de um a três anos. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Diminuição de pena (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

Art. 221 – É diminuída de um terço a pena, se o rapto é para fim de casamento, e de metade, se o agente, sem ter praticado com a vítima qualquer ato libidinoso, a restitue à liberdade ou a coloca em lugar seguro, à disposição da família . (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Concurso de rapto e outro crime (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

Art. 222 – Se o agente, ao efetuar o rapto, ou em seguida a este, pratica outro crime contra a raptada, aplicam-se cumulativamente a pena correspondente ao rapto e a cominada ao outro crime. (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

Lei contra a subtração de incapazes:

Código Penal
LIVRO II – Parte especial
TÍTULO VII – DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA
CAPÍTULO IV – DOS CRIMES CONTRA O PÁTRIO PODER, TUTELA CURATELA
Subtração de incapazes

Art. 249 – Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
Pena – detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime.
§ 1º – O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.
§ 2º – No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena.

Não encontrando outras definições pertinentes no direito penal brasileiro para aqui citar, transparece limpidamente que o legislador brasileiro optou pelo uso do termo subtração para se referir a questões relativas aos crimes contra a família.

Entre as opção possíveis, a expressão “subtração internacional de crianças”, sob essas bases, possui um enquadramento mais sólido.

Porque o título da Convenção da Haia de 1980 foi traduzido como sequestro?

Se desde 1940, quando foi aprovado o Código Penal brasileiro, já parecia evidente a pacificação do termo “subtração” para os casos de transferência internacional ilícita de menores, não parece ter lógica traduzir esta ação como “sequestro”.

Infelizmente, o que se pode ter certeza é que a tradução da Convenção da Haia de 1980 possui diversos erros ou escolhas extremamente discutíveis. Do uso da expressão “de Haia” no seu preâmbulo , do uso do termo “Crianças”, do termo “residência habitual”, etc.

Certamente a sua tradução oficial para o português do Brasil não pode ter um elevado peso no entendimento da expressão que deveria ser considerada tecnicamente como a mais correta.

De qualquer forma, uma subtração não deixa de ser uma forma de sequestro ou vice versa.

O que é impensável é reparar que muitos ignoraram erros mais relevantes na tradução da CH80 e dão prioridade a este tema bastante inócuo a sua aplicação com o evidente objetivo de conciliar a ideia de que para a legislação brasileira a subtração interparental não é reconhecida como um crime.

Visto que no Brasil existe uma notória tendência a não aplicar corretamente a Convenção da Haia de 1980, surge uma dúvida: todo este empenho em esclarecer que não se trata de sequestro não esconde uma vontade de banalizar o problema ou de justificar o total e constante descumprimento da legislação internacional?

A legislação brasileira tem muito a melhorar se não reconhece como crime a subtração interparental que possui no contexto internacional a sua forma mais grave de violação dos Direitos das Crianças.

Qual é a expressão mais indicada para os casos de retenção ilícita internacional?

Tendo anteriormente encontrado na legislação o uso do termo “subtração” para as situações de violação do poder familiar e não tendo encontrado nenhum outro elemento decisivo ou relevante, se deduz sem sombra de dúvidas que a expressão correta deveria ser subtração.

A violação inicial que subsiste em uma subtração internacional é exatamente do poder familiar do genitor abandonado. Ele não pode perder o direito de decidir onde deverá ser a residência habitual do filho apenas por uma vontade unilateral do genitor subtrator.

Na verdade, a violação inicial não deveria ser vinculada ao poder familiar, mas, em base ao princípio do superior interesse da criança, deveria ser vista como uma violação ao direito da mesma de conviver com ambos genitores e de ter a sua guarda julgada pelo juiz que melhor tem acesso as provas do seu caso concreto, ou seja, aquele da residência habitual.

Visto que no passado o legislador já alterou a lei por motivos fúteis de terminologia (como quando se limitou a mudar o nome da lei “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” em “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”, o que gerou perplexidade entre os doutrinadores), deveriam alterar a tradução da Convenção da Haia de 1980 ou adotá-la diretamente na lei interna corrigindo o seu texto, como foi feito com o ECA, que é uma cópia da Convenção dos Direitos das Crianças e da Convenção sobre a adoção internacional.

Portanto, de agora em diante, “Subtração Internacional de Crianças”, ou melhor, “Subtração Internacional de Menores”, ou melhor ainda, “Subtração Internacional de Menor”.

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